TRABALHO DE CONCLUSÃO DO CURSO DE CAPACITAÇÃO EM ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO 2018

O acompanhamento terapêutico na enfermaria psiquiátrica

(Para uma melhor experiência de leitura desse texto, clique no título acima)

Trabalho da aluna Thaís Munique Guimarães Silva Coelho

 

O acompanhamento terapêutico (AT) é uma prática recente, sendo por volta de 1970 que passou a ser identificado como um dispositivo de tratamento no campo da saúde mental. O nome “acompanhamento terapêutico” se formalizou no início dos anos 80, em uma equipe coordenada por Eduardo Kalina, em Buenos Aires, na Argentina (Quando a saúde é pública, 2015). Surgiu como uma estratégia de tratamento às psicoses se baseando nos movimentos antimanicomiais e no fato de que o hospital psiquiátrico não era um lugar que se bastasse a si mesmo (Hermann, 2008).

O AT se caracteriza pela prática de saídas pela cidade com o objetivo de inclusão social do acompanhado, em congruência com os princípios da Reforma Psiquiátrica, para isso é realizado um projeto terapêutico que procura favorecer o processo de reabilitação psicossocial do sujeito atendido. O dispositivo do AT tem a marca da interdisciplinaridade, podendo se associar como uma estratégia a mais em serviços tais como os Centros de Atenção Psicossocial (os CAPS) e os Ambulatórios de Saúde Mental, e, mesmo, os serviços de internação (Pitiá & Furegato, 2009).

Esse dispositivo não se reduz simplesmente a saídas, tais saídas, para pacientes reclusos, institucionalizados ou excluídos, são oportunidades para retomar práticas do cotidiano, exercer cidadania, se utilizando da circulação pelos espaços e a rua como espaço clínico atuando no território onde o acompanhado está inserido (Silva & Silveira, 2013).  Não é uma prática restrita a um grupo específico de técnicos, podendo ser exercida por diferentes pessoas que, após treinamento adequado exercer a função de acompanhantes terapêuticos.

Portanto o AT é uma estratégia fundamental no processo da Reforma Psiquiátrica e na inserção dos sujeitos na vida extramanicomial, sendo um dispositivo que vai além do espaço estrito das instituições de saúde, promovendo uma clínica sem muros, na qual o setting se modifica a cada saída (Bezerra & Dimenstein, 2009).

Durante o curso o que me chamou mais atenção foi a relação do AT com a psiquiatria, pois durante a graduação realizei um estágio na enfermaria psiquiátrica da UFU, dentro das atividades realizadas neste estágio profissionalizante estavam inclusos o atendimento em AT, supervisões clínico-institucionais com a presença de membros da equipe da enfermaria, atendimentos semanais dos acompanhantes terapêuticos (ATs) na enfermaria visando o trabalho em equipe, construir vínculos com os usuários, saídas acompanhadas dos ATs com os usuários pelos espaços intra/extra hospitalares, a alta acompanhada com o objetivo de contribuir para o projeto terapêutico singular e a reinserção psicossocial dos acompanhados, tentando evitar/minimizar o processo da porta giratória.

A parceria entre o estágio profissionalizante e a enfermaria de psiquiatria é recente, mas alguns resultados puderam ser evidenciados, como o conhecimento da equipe sobre o estágio e o levantamento de demandas da própria equipe para os estagiários. É um trabalho recente e enfrenta dificuldades, como a dificuldade de comunicação com a equipe. Apesar de algumas dificuldades é uma oportunidade única de trabalhar com pacientes em situação de surto e crise dentro de uma instituição e poder pensar, na supervisão, em modos para um tratamento mais humanizado e a reinserção psicossocial dos acompanhados, tentando evitar/minimizar o processo da porta giratória.

Minhas experiencias no estágio me remeteram às origens do AT, com Francesc Tosquelles que forjou suas próprias ideias psiquiátricas, dava ênfase para o trabalho em equipe, propôs espaços de tratamento com livre circulação propondo intervenções para a inserção do sujeito na sociedade; Marie Langer e Enrique Pichon-Riviere que fundaram a primeira associação psicanalítica da américa latina (APA), eles perceberam a importância da família no tratamento e também a necessidade de discussões sobre os casos com os outros membros da equipe e a Nise da Silveira, pioneira no processo libertário da Reforma Psiquiátrica no Brasil, criou a Seção de Terapêutica Ocupacional no Centro Psiquiátrico Pedro II onde foram abertos ateliês onde os pacientes poderiam desenvolver trabalhos manuais e atividades artísticas como música, pintura, modelagem e teatro. Propôs também a criação de uma instituição cuja proposta era de não internar os pacientes, mas, sim, tratá-las em regime aberto (Quando a saúde é pública, 2015).

Lembro que durante a leitura desse texto me encantei pelas experiencias, mas também me frustrei por saber que apesar dos anos passados e dos avanços que tivemos com a reforma psiquiátrica eu me encontrava no mesmo lugar que eles passando por dificuldades parecidas, presentes numa logica manicomial. Percebi que muitos usuários do serviço vivenciavam repetidas internações, algumas regras de funcionamento que se sobrepunham às necessidades individuais dos indivíduos e práticas totalitárias e infantilizadoras.

Essas crenças, no entanto, valores que estão na base desses entraves burocrático-institucionais, não acontecem no vazio, mas encontram terreno fértil, no qual se reproduzem na própria sociedade, uma sociedade capitalista e globalizada, criadora de valores sobre a posse e compra de bens, e em que tudo pode se tornar mercadoria, até mesmo os valores (Costa, 2004). Dessa forma, o portador de transtornos mentais é excluído das várias esferas do social, pois não produz, nem movimenta bens e mercadorias (a não ser medicamentos e tratamentos), portanto, esse sujeito se vê geralmente destituído de valor e de contratualidade social como cidadão. Ao mesmo tempo, vemos esse portador destituído de um cotidiano devido aos aspectos insólitos de suas condutas, pois suas mensagens e afetos são incompreensíveis perante os códigos culturais dessa sociedade e relegados ao mundo da desrazão (Fiorati & Saeki, 2008, p. 769).

 

Com isso, nesse lugar, o AT aparece como uma forma de resistência, nossa presença causa estranhamento e curiosidade e a clínica do acompanhamento terapêutico enquanto dimensão política deve operar apostando na presença de uma resistência, mantendo a conflitualidade e o cuidado para não reproduzir práticas manicomiais e nos questionar sobre os poderes instituídos (Palombini, 2006).

 

 

 

 

Referências

Bezerra, C. G., & Dimenstein, M. (2009). Acompanhamento terapêutico na proposta de alta-assistida implementada em hospital psiquiátrico: relato de uma experiência. Psicologia Clínica21(1), 15-32.

Fiorati, R. C., & Saeki, T. (2008). O acompanhamento terapêutico na internação hospitalar: inclusão social, resgate de cidadania e respeito à singularidade. Interface-Comunicação, Saúde, Educação12, 763-772.

Hermann, M. C. (2008). Acompanhamento terapêutico e psicose: um articulador do real, simbólico e imaginário (Doctoral dissertation, Universidade de São Paulo).

Palombini, A. L.  (2006). Acompanhamento terapêutico: dispositivo clínico-político. Psychê, Revista de Psicanálise, ano X, 18, 115-127.

Pitiá, A. C. D. A., & Furegato, A. R. F. (2009). O Acompanhamento Terapêutico (AT): dispositivo de atenção psicossocial em saúde mental. Interface-Comunicação, Saúde, Educação13, 67-77.

Quando a saúde é pública (2015). In M. Porto, Coleção Psicanalítica: Acompanhamento terapêutico (Cap. 2, 39-71). São Paulo: Casa do Psicólogo.

Silva, D., & Silveira, R. W. M. (2013). Devires e drivers da clínica: acontecimentos no acompanhamento terapêutico. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia6(1), 71-89.

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